PRIMEIRO / O DOS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-Ihe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo e recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita e Portugal.
Análise:
A personificação da Europa é a base do texto, tendo como face mais nítida as referências a partes do corpo humano.
A primeira estrofe está carregada de informação preciosa: por um lado, a atitude da Europa; por outro, a História da Europa (que é, do ponto de vista do poema, a própria natureza da Europa).
A Europa assume uma atitude contemplativa, fisicamente inactiva : note-se a repetição do verbo ‘jazer’ (verbo com uma conotação fúnebre), a posição contemplativa de uma pessoa apoiada nos cotovelos e os verbos “fitar” e “lembrar” como únicas acções praticadas por este corpo (ambos os verbos no gerúndio, indicador de aspecto durativo).
A primeira estrofe sintetiza, ainda, um percurso que explicará a natureza da própria Europa. A orientação escolhida pelo sujeito poético para descrever o corpo não é inocente: “De Oriente para Ocidente”. Deste modo, mais do que reforçar o visualismo que nos permite imaginar um corpo humano deitado, o poeta faz uma verdadeira síntese da evolução da cultura europeia, nascida a Oriente, na Grécia, e continuando para Ocidente.
É preciso notar que este caminho em direcção ao Oeste é feito de acumulações e não de perdas e a cultura europeia é, assim, explicada como Lavoisier explicou a natureza: nada se perde. A cultura europeia é feita, portanto, de todos esses elementos que se acumularam ao longo do tempo. É uma cultura compósita que junta os “românticos cabelos” e os “olhos gregos”. A imagem do corpo reforça, então, essa ideia de vários elementos que constituem uma unidade, o corpo é o símbolo dessa aglutinação de culturas que correspondem, no fundo, a uma só.
A segunda estrofe prolonga o visualismo com as referências a partes do corpo e reforça, ao mesmo tempo, a ideia de uma cultura constituída por elementos diversos, com a indicação de mais dois países. Também aqui é fundamental atentar no pormenor, antecipando uma possível interpretação: o cotovelo em que assenta o rosto poderá constituir uma referência à ligação histórica entre Portugal e Inglaterra.
Na penúltima estrofe, chega-se, finalmente ao rosto, mais especificamente ao olhar. Antes de atentar no olhar, lembremos que o rosto é a face – passe o pleonasmo – mais visível da identidade do corpo humano. O olhar da Europa é, então, “esfíngico e fatal”, adjectivos que unem mistério e destino.
A Europa vê, então, no Ocidente, o “futuro do passado”, ou seja, o momento presente, correspondente ao culminar dessa viagem que começou no Oriente. Percebe-se, então que o objectivo não era descrever o passado ou aclarar o presente, mas tornar inelutável o momento e, sobretudo, o depositário da síntese, Portugal, o rosto, a identidade da Europa.

http://discursodirecto.podomatic.com/entry/2006-03-13T14_54_19-08_00

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